Partindo do pressuposto que a posição cristã conservadora é muito precária para conseguir por si mesma avanços destacáveis, quais grupos consideras que possam ser aliados em uma contrarrevolução? Quais linhas vermelhas devem ser marcadas na busca de criar uma frente comum?
Se me perguntarem a respeito dos limites que é preciso estabelecer quando se começa a fazer algum tipo de aliança com pessoas que não têm o mesmo pensamento ou os mesmos princípios, recomendaria uma obra clássica da literatura católica chamada Revolução e Contra-Revolução. É de um autor que não pode ser rotulado de liberal, nem coisa do tipo, que é Plinio Corrêa de Oliveira. Neste livro, um livro não muito longo, ele vai traçando quais são esses limites que se deve ter em conta aquele que pretende fazer uma verdadeira contrarrevolução. Pontualmente, falar de "contrarrevolução" é ir no sentido contrário do que se define como revolução, que é querer rotacionar em tudo.
A revolução tenta rotacionar todos os valores, todos os modos de obrar, todas as crenças que nos chegam de nosso mundo ocidental e cristão. Este escritor brasileiro - muito, mas muito importante - afirma que há aqueles que são diretamente contrarrevolucionários e que compartilham nossa visão, e outras pessoas que não têm essa visão idêntica que podem ser chamadas "semicontrarrevolucionárias". Em outras palavras: não pensam exatamente igual a nós, mas estão em luta contra alguns de nossos inimigos.
É válido aliar-se sempre e quando se sabe de início quais são seus próprios princípios, para que não mimetize estas pessoas com quem se está aliando e nem tergiverse ou prostitua a própria causa.
As linhas vermelhas são bem claras: em primeiro lugar, os direitos de Deus. Não se pode ir contra os direitos de Deus. Em segundo lugar, não se pode ir contra os direitos do homem. Mas não no sentido que os direitos humanos liberais e esquerdistas nos dizem; mas sim os direitos humanos ou os direitos do homem que são encontrados nas Sagradas Escrituras, no Catecismo, que são os da Igreja. Concretamente, a inviolabilidade da vida humana e o trabalho em favor do bem comum; que implica o bem comum espiritual em primeira instância e, evidentemente, o bem comum temporal. Isso seria o que não é negociável. Creio que hoje se poderia trabalhar um tema muito em moda, que é a imposição da ideologia de gênero, uma ideologia nefasta; ou sobre a eutanásia. Enfim, há vários outros temas. Mas não se pode negociar nenhum princípio, nenhum, e isso deve estar bem fixado independente com quem se for aliar.
Em relação à sua menção aos direitos humanos, qual tem sido seu significado na história contemporânea? A partir de perspectivas muito diferentes, como o comunitarismo de Alasdair MacIntyde (Por trás da virtude), o conservadorismo de Russell Kirk (Os sábios sabem quais maldades estão escritas no céu) ou a Nova Direita de Alain de Benoist (Além dos Direitos Humanos), tem se criticado a própria noção de "direitos humanos". Estes têm sido apresentados como um freio contra a barbárie, mas em muito casos acabam sendo usados como sua principal justificação (veja, por exemplo, a narrativa midiática que incentivou a desastrosa e contraproducente "intervenção humanitária" na Líbia).
O problema de fundo dos hoje chamados direitos humanos é terminológico e depois conceitual. Ou seja, o que se entende por direito e o que se entende por humano. Por direito se entende simplesmente aquilo que o governo diz, independentemente da legitimidade dessa ordem ou da validez desse mandato (antes considerando a partir do ponto de vista técnico-jurídico)? Simplificando, é justo aquilo que o governante diz só porque o governante diz? «'L’État, c’est moi'» nas palavras de Luis XIV. A partir disso entramos no mundo do positivismo jurídico, que começa com o mundo liberal e nos leva ao que estamos vivendo atualmente.
Se perguntassem a Kelsen se o direito positivo instituído pelo nacional-socialismo, que foi um governo que subiu ao poder de maneira democrática, era justo ou não, ele dirá claramente que sim. Afirmará que sim sob sua lógica jurídica positivista. Por isso que a primeira coisa que deve ser perguntada aqui é o que se entende por "direitos humanos", porque, ao que parece, muitos creem tolamente que os direitos do homem ou os direitos humanos nascem com a Revolução Francesa. A verdade é que questões como a jornada de trabalho de 8 horas por dia já estavam presentes, por meio da Espanha, nas Leis das Índias no século XVI.
A pessoa como tal - como indivíduo subsistente de natureza racional, por ser filha de Deus - e a dignidade que possui - seja como varão ou como mulher - é muito anterior a 1789, à Revolução Francesa. O que aconteceu é que quiseram criar uma espécie de mundo moderno, um mundo onde se começa desde o zero, onde tudo o que é anterior é tido como obscurantista, sendo que anterior significa o católico, o cristão concretamente.
Assim sendo, voltemos ao início: se direito é o que o legislador diz que deve ser, estamos com um problema, porque isso dá brecha para todo tipo de abuso. Antigamente, acima do direito existia em primeiro lugar a ordem natural e, em último termo, a ordem sobrenatural. Agora o mundo sobrenatural foi eliminado, porque tudo é obscurantismo, tudo o que era cristão previamente ao mundo positivista liberal moderno é mau. Expulso o mundo sobrenatural e ao mesmo tempo negligenciando a ordem natural, o que é o direito? O que o governante diz que é o direito? O Leviatã de Hobbes é isso.
Primeiro o que é direito e segundo o que é um humano. Essa é a pergunta: o que é um ser humano? E bom, um ser humano será o que, novamente, o governante ou quem detenha o poder disser que é humano. Assim pode ser uma pessoa não humana um orangotango. Aqui no zoológico de Buenos Aires temos uma pessoa não humana, a orangotanga Sandra; ou, embora pareça estranho isso, temos "humanos não pessoas", como alguns qualificam os embriões. Tal é o caso concreto da corte do México, que em vez de dizer "pessoas não humanas", sempre diz "humanos não pessoas".
Se os embriões são humanos não pessoas, então o que é um direito humano? Precisamos começar a partir disso, definindo os termos, porque na saúde da terminologia reside a salvação do discurso. Para o mundo moderno, direito humano é o que o governante que detém o poder diz o que é direito e o que é humano; para o mundo antigo não, não era assim, ao contrário, sempre se baseava no direito natural e previamente no direito sobrenatural, no direito divino do qual hoje ninguém fala. Eles não se contrapõe entre si.
Disse Chesterton, se não me engano em Ortodoxia, que uma vez abandonado o mundo sobrenatural, o mundo já não se volta ao mundo natural. Entenda-se, o mundo puramente natural de Aristóteles, Cícero; enfim, o mundo pagão (no bom sentido). Segundo Chesterton, já que Deus irrompeu na história - Nosso Senhor Jesus Cristo - se passa diretamente do mundo sobrenatural ao mundo antinatural, e já não à mera ordem natural que existia previamente à chegada do Redentor, o Bom Jesus. Por isso que, no tempo em que estamos vivendo hoje, onde se fala dos direitos do homem e se esquecem os direitos de Deus (que é onde deveriam se basear os direitos do homem), acabamos na situação em que "o homem é um lobo para o homem" (homo homini lupus). De novo, acabamos em Hobbes.
Um dos tópicos que costumas tratar em seu trabalho e que causa maior polêmica é a da Lenda Negra (a demonização da Espanha e o desprezo pela herança cultural e religiosa que nos foi legado), mas eu gostaria de saber sua opinião mais geral sobre a onda de iconoclastia e de endofobia que ocorre no Ocidente. O vandalismo e as desordens que desatam, por exemplo, em grupos como o BLM ou Antifa
A propaganda anti-hispânica e anti-católica data do século XVI e XVII, onde as potências protestantes contrárias à Espanha e a seu império queriam debilitá-la enterrando sua imagem. Obviamente nos encontramos ali ante um aproveitamento político. A pergunta está bem posta no que diz respeito ao momento atual: por que agora continuam com esse cavalo de batalha de destruir as estátuas, de fazer uma releitura história, etc? Segundo aquilo que disse Orwell: "Quem controla o presente, controla o passado; quem controla o passado, controlará o futuro". É uma espécie de suicídio do Ocidente, algo que já foi alertado por vários autores. Não somente há uma decadência a olhos vistos, mas também um suicídio do Ocidente concreto e coletivo.
Deixa-se de lado - e na minha opinião é porque não está bem entendido - que há uma luta de fundo teológico, e não somete política. Há realmente uma luta do mal contra o bem. Não pode ser vista meramente a partir de uma perspectiva predicamental, horizontal. É uma questão teológica, no forte sentido da palavra, conforme dita por Donoso Cortés, e não puramente política. Para controlar o que foi a civilização ocidental e cristã, é preciso romper com todo vestígio que a dita civilização produziu em sua época.
Como julgarias a invenção dos crimes de ódio? O Estado declarando guerra a um inimigo tão difuso e indefinido como é o sentimento humano.
Quanto à perseguição com o pretexto de discriminação ou intolerância, entendo eu que o mundo moderno, apesar de dizer que é laicista, ateu ou que cada um pode ter a vida pessoal e a crença que desejar, não possui nenhuma sociedade que não tenha sua esperança posta em algo ou em alguém. E o mundo moderno pôs sua esperança naquilo que mencionamos antes: os aparentes direitos humanos ou direitos do homem, que são ditados por quem detém o poder no momento. Isso já vinha da época de Rousseau. Em O Contrato Social, defendia que aqueles que não se moldassem à nova sociedade pós-monárquica que Rousseau promovia - e que não chegaria a ver, mas da qual iria ser um dos preparadores - deveriam ser tratados como "insociáveis". Justamente o que se sucedeu depois na zona chamada de La Vendée ou La Chouanerie, os contrarrevolucionários que não ajoelharam à maldita Revolução Francesa.
Esta sociedade moderna - laicista e anti-cristã - também tem suas crenças, seus dogmas e seus ritos; portanto tem que ter, de igual modo - entenda-se bem o termo - sua própria "inquisição progre". Assim como se critica que nos tempos de Cristandade, onde a filosofia do Evangelho governava os Estados, existia uma regulação das heresias como crime e como pecado, de igual forma na atualidade existem as "heresias progress" e, consequentemente, uma inquisição progre que, sob o disfarce de atenção à não-discriminação ou de perseguição a todo tipo de intolerância ou fundamentalismo, termina impondo um dogma moderno onde no centro está o homem, que é um homem caído.
Tu difundes ideias próprias e as ideias dos grandes pensadores cristãos da história, mas quais formas de resistência as pessoas comuns podem adotar frente ao progressismo dominante? Há muitos que, por frustração, desistem da ambição de mudar o mundo através da política tradicional. Estás familiarizado com a opção beneditina proposta por Rod Dreher? Qual é a sua opinião a respeito?
Sobre o que fazer, minha formação é de tipo clássica. Entenda-se, as Humanidades clássicas. Graças a Deus tive muito bons formadores no âmbito da filosofia, das letras, da história. Mesmo em minha época de leigo, conheci grandes autores que meu professor, o doutor Octavio Sequeiros, nos fez ler durantes anos. Tais como Aristóteles, Cícero, Platão, as tragédias gregas; bem como a filosofia romana, passando por sua vez por todos os autores contrarrevolucionários franceses. Essa é a bagagem que eu trazia quando jovem.
Mas o que fazer quanto ao resto das pessoas, como mencionaste? Eu conheço a opção beneditina, e me parece interessante. Mas como Deus não é comunista, a cada um pede coisas distintas. Não é todo mundo que está disposto, nem tem vocação, para partir e se recluir em uma espécie de comunidades familiares iniciais sob a regra de São Bento ou com um regramento desse tipo. Há aqueles que também devem, como cristãos, influenciar no âmbito social e têm vocação para isso. Não se pode pedir que simplesmente se recolham em pequenos núcleos, por mais bons que sejam, e que não sigam a vocação que Deus suscitou neles.
Deus tem uma relação secreta com cada alma, um segredo por meio do qual quer que cada alma chegue ao céu. Ou seja, que se torne santa, que se santifique. A alguns pedirá para que siga a opção beneditina; a outros pedirá que entrem no ringue, sujem as roupas e tentem implantar uma ordem social cristã para fazer com que Cristo reine - como disse São Paulo - colocando todos os seus inimigos sob seus pés.
De que forma a tecnologia tem influenciado o seu trabalho sacerdotal e de divulgação cultural? Qual uso os cristão devem fazer dela?
Eu utilizo a regra inaciana do "tanto quanto". São Inácio de Loyola sustentava que o homem deve usar tanto dos meios quanto lhes ajude a alcançar o fim para o qual foi criado, e deve tanto se afastar deles quanto lhes impeça. Qual é o fim para o qual o homem foi criado? Amar, reverenciar, servir a Deus Nosso Senhor e, desse modo, salvar a alma. Portanto, todos os meios lícitos que estejam a nosso alcance podem ser utilizados.
Em meu caso concreto, a tecnologia claramente tem influenciado. É um modo de se meter nos arópagos modernos. São Paulo nos Atos dos Apóstolos foi falar e pregar no Areópago de Atenas, essa praça pública onde se reuniam as pessoas para discutir sobre filosofia ou teologia. Atualmente, grande parte dos areópago modernos estão na internet e nos meios de comunicação, é ali onde também se deve pregar. E quem tem a vocação, como é o meu caso, para ser um comunicador da fé, deve aproveitar os espaços onde estão as pessoas para semear a verdade. Afinal, a verdade, seja qual for, é o que nos torna livres.
Como recebeste as críticas do presidente Andrés Manuel López Obrador, um anti-católico e divulgador da lenda negra empedernido? É um sinal de que estás fazendo bem teu trabalho?
Inicialmente, eu as recebi com muito espanto. Não imaginava que um presidente ou seus assessores tivessem tempo para ver um vídeo de um sacerdote que se dedica, ou tenta se dedicar, à contrarrevolução cultural. Evidentemente que fiquei muito feliz, porque, sem que tivessem a intenção, me fizeram uma grande propaganda. Por outro lado, porém, também pude entrever que o que López Obrador está tentando é colocar em prática uma nova dialética laicista - que incorpora lendas negras, maçonaria, etc. - para usar contra a Igreja.
Buscaram uma gravação de 2013 e, certamente, reproduziram-na de maneira incompleta. O que também estava mencionado neste material - além de Benito Juárez ser conhecido como "O Índio Juárez", tendo inclusive uma biografia famosa intitulada Um índio zapoteco chamado Benito Juárez (também presente nos livros de texto oficiais) - é o que eu disse depois: que o presidente Juárez havia chegado ao cargo por sua vinculação com uma seita condenada pela Igreja, que é a maçonaria. Seita na qual participaram quase a totalidade dos líderes mexicanos até hoje. Isto é o que na realidade deve ter causado tanto mal-estar.
Certamente interpreto o episódio como um sinal de que estamos no caminho certo. Porque, como diz aquela frase de Goethe que se costuma atribuir erroneamente a Cervantes: "(...) seus latidos estridentes são apenas sinais de que estamos cavalgando".
Fonte: SILVIO SALAS via Que no te la cuenten